quarta-feira, 31 de agosto de 2011

XXXI

Sinto, agora, neste momento
Que abracei o suficiente por toda a vida
Que beijei o suficiente por toda a vida
Que vi o suficiente por toda a vida
Que tudo foi suficiente
Simplesmente porque foi
Que a vida não é uma bebida
Que devo beber até a última gota
Que não se vê a bebida
Que não é obrigatório beber
Que se mode morrer:
Aos dezoito
Aos sessenta e sete
Pode-se nem nascer
E, sendo um, ou outro, ou não sendo
Foi bom
Foi e chega que eu já escrevi demais

(Pro vovô Abílio, que há exatos 7 anos me deixou órfã de castelos no fundo dos rios) 

terça-feira, 30 de agosto de 2011

XXX - Simpatia

Eu tenho curiosidade sobre os seus cabelos:
Como podem eles estar sempre secos, mesmo de manhãzinha?
Você nunca os molha? E como eles são sempre cheirosos?

Você deve lavá-los à noite
E eu posso vê-la: tem uma luz que passa por um prisma
E mãos que vem uma depois da outra.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

XXIX

I do not deserve people.
They are million miles away.
Should I go to be with them?
I don't know... I don't know...
They could hurt me, if I do this.

So...

terça-feira, 16 de agosto de 2011

XXVIII

Quis escrever a história do homem que não queria o beijo
Mas não pude - ele não existe
A fome, em nós, só tem tempo de aumentar...


XXVII - Sobre Uma Vez Que Me Ofenderam

Conversando sobre filhos
Eu sempre digo:
"Minha única certeza
Nem é se os terei
Mas que escreverei as histórias
Que para eles lerei"

Pois uma não-sei-quê
Assim me disse:
"Não precisa, mulher!
É só comprar qualquer um, ir lendo
E pular a parte que você não quer!"

Nunca um ser humano conseguiu me ofender tanto
Ofendeu a mim e a toda a minha descendência
Ofendeu a todas as crianças do mundo
Ofendeu os seus - coitados - filhos

Desde então, eu a odeio eternamente
Porque ela me ofendeu eternamente

XXVI - Conversa Da Poeta Com Sua Amiga

Conversa da poeta com sua única amiga
Do sexo feminino
Sobre os últimos acontecimentos
Da feira:

"Por que você não casa com ele?" - entre risos.

"E você acha que eu não pensei nisso?
E não foi só do que eu me lembrei?
Mas ele não disse que me ama
Apenas que sou fofa
E isso pode ser até
Sinônimo de gorda!" - muito, muito séria.

XXV - Doença Mental

Voltava da feira com a minha mãe
Cheia de sacolas com verduras
Nós duas

O doente mental na esquina
Para e me diz:
"Você é fofa!"

Nunca ninguém me disse que sou fofa
Só o doente mental
Da esquina do mercado
Sem pai, nem mãe
Nem verdura

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

XXIV - Conversa Entre Duas Muriçocas

Conversa entre duas muriçocas
Que viram - sim, viram!
Uma mulher - sim, mulher!
Se levantar da cama
Às duas da manhã
Para escrever um poema
Bem bestinha, de amor:

"Levantando a esta hora
Com vontade de casar
É provável que não tenha
Sequer começado a sonhar"

"Ora, como não?
Não lhe notou o conteúdo?
Veja que na escrita dela
Só há os dois: não há mundo!"

"Mas é na escrita dele
Pois é o menino quem faz
O poema não ser só
Medo e falta de paz"

"Voto por ser dos dois
Mas veja, que triste fato!
Apenas o sangue dela
Aqui, a nos servir pasto"

XXIII

E se tudo der errado?

E se eu ficar sozinha
Sem carinho, sem amor?
"Aí moraremos juntos
Dois fugidos da dor"

E se eu virar mendiga
Sem casa, sem comida?
"Aí mendigaremos juntos
Lá, naquela avenida"

E se eu envelhecer sem ninguém
Desamparada, sem filhos?
"Aí iremos juntos
Para o mesmo asilo"

E se eu ficar doente
De doença mortal?
"Aí morreremos juntos
Na mesma cama
No mesmo hospital"

E se tudo der certo?
"Se tudo der certo
Eu caso contigo"

XXII

Teve um tempo que eu ia à praia só
E gostava de olhar o mar

Teve um dia que eu fui à praia acompanhada
E o mar secou pra mim

Não sei mais andar sozinha por lá
Afundo naquela areia toda
E digo a qualquer um que é medo de ser furtada

domingo, 14 de agosto de 2011

XX

Pro homem, sempre tem uma salvação
Homens não envelhecem
Só as mulheres envelhecem
Só nós ficamos feias
Só nós ficamos gordas e enrugadas
Só nós ficamos intragáveis
Todo mundo sabe disso
Que não tem salvação pra gente

sábado, 13 de agosto de 2011

XIX

O melhor uso das leis jurídicas
É que meu tio, advogado
Me deu o livro do Drummond.

Esse foi o momento máximo do direito ocidental romano.


XVIII

Eu sou só caminho:
Não me começo
Nem me termino.

XVII

Morrer é perder toda a brincadeira que vem depois
De uma vida que só seria brinquedo se fôssemos mortos em vida, nada a perder
Sejamos todos meio mortos
- Tenhamos um pé na cova! -
O mim não é tão importante assim

(Pobre mortinho, que não soube do terremoto no Japão...)

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

XVI

Eu estou bem
Mas sinto que não devia estar bem
Espera, como posso estar bem?
Nenhum projeto na faculdade
O capítulo não foi lido
O beijo não foi dado
E eu nem lembro se os beijos que eu dei
Foram beijos mesmo
Se foram dados
Se foram...

Eu esqueci da vida que eu não vivi
Não, eu não vivi
Eu não desenhei o meu sonho
Que ficou perdido na lista de sonhos
Que eu tinha pra desenhar
Que ficaram na gaveta do meu criado-emudecedor
Que não tem chave
Que qualquer um pode abrir
Que só faz rir

Onde estará o meu amor?

Será que estava naquele pé de romã
Que arrancaram
E pelo qual chorei?

Terei eu amado
Alguma vez?
Alguma coisa?

Eu não amo
Eu não amei
E sou mulher:
Só agora me lembro disto!
E dói. Não o sexo
Mas a lembrança, a não fazer sentido
Digo que sou mulher
Lembro que sou mulher
E a isso não corresponde aquela coceguinha atrás dos olhos, alastrando pra nuca
Que significa que entendemos
E que temos prazer no entender

Eu não amei
Não é real pra mim ser mulher
E isso significa que eu não posso me matar
Que estou presa no corpo que eu não realizo
E que eu não posso estar bem
Mas eu estou bem

E nisso está toda a covardia.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

XV - Eu Não Gosto De Mim

"Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu teto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou."
(Álvaro de Campos)


Eu não gosto das brincadeiras das crianças
Eu gosto da minha brincadeira de criança
Eu não gosto das crianças
Eu gosto da minha criança
Que é sempre melhor que todas elas

Eu gosto de mim quando eu não esperava o dia inteiro
Eu gosto de mim quando eu riscava os tampos das mesas pra deixar inscrições para o futuro
Eu gosto de mim quando eu nada

Eu gosto de mim quando eu não tinha que amar alguém

sábado, 6 de agosto de 2011

XIV

Você faz as coisas pras pessoas verem...
Cada choro seu é a espera do príncipe encantado
Que secará suas lágrimas
E te levará para um reino distante

Não quer sair de casa?
Você quer andar o mundo inteiro
Você quer dar pro mundo inteiro
Quer comer todos eles
Mas você morre de medo

Você quer as pessoas
É só isso que você faz
Morre de querê-las
E morre mesmo:
Morre por cada uma delas

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Parem de ligar pra mim
Parem de me abraçar
Parem de me chamar
Como vou poder dizer que vocês me abandonaram?
Como vou ser triste assim?
Como vou poder chorar?

Vocês não são suficientes!
Eu não sou suficiente!

E mesmo isso que agora escrevo
É pra ser visto por alguém
Sempre alguém
Que nunca vem!

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

XIII - Poema De Muito Amor

Isso! Continue almoçando salgado com refrigerante
Eu quero te ver gordo, diabético e infartado, o quanto antes
(Só comia direito quando eu obrigava...)

Mas que mulher é essa
Que não vê que você tá pálido?
Que não vê que você só come besteira?
Que não vê que você não dorme direito?

Coração ocupado, enquanto ela trabalha
Trabalha silenciosamente
E eu, silenciosa também,
Minha prece de amor-maior-do-mundo:

Aproveita bem enquanto pode
Porque um dia essa artéria entope
Um dia seu coração arrebenta!

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

XII

Eu estou tão bonita, e não tem quem veja.
Meus cabelos estão lindos...
Encaracolado livre, porque eu só desembaracei e deixei ele em paz pra se embaraçar de novo.
Tomei banho e fiquei de bobeira, com preguiça de vestir roupa
Na cama com o Drummond... um volumoso Drummond.

É um crime contra a natureza, que ninguém me veja.

Talvez, se alguém me visse assim, eu ficasse feia.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

XI

Como é que eu escrevo uma gargalhada?
Acho que esse é o meu limite literário... 
Mas eu tô rindo. 

terça-feira, 2 de agosto de 2011

X

Será que existe vida para além da timidez de um Drummond
Ou da solidão de um Bernando Soares?
Será que, passadas as portas do absurdo, existe uma vida, que se possa viver
Entre acordar e dormir?

Sim, é o que mais vejo...

Mas o meu mal-estar é o que me agrada.
Tenho essa vocação inata

(Jayane, 03/08/11)

IX

Eu já sei a minha causa mortis: arrependimento.

(Jayane, 02/08/11)

VIII

Mas que pretensão essa da classe média - ser feliz!
Ora, que miséria!
A classe média que sabe de todas as síndromes que sofre:
São milhões de Aspergers, maníaco-depressivos
TDAH, TOC...

A classe média que sabe de todas as filosofias
A classe média que sabe de todas as religiões
A classe média que sabe de todas as psicologias

Meu Deus, a classe média que lê Fernando Pessoa, meu Deus!

Ser feliz... Chega a ser zombeteiro!

(Jayane, 02/08/11)

VII - A Distribuição Das Coisas

Você passará em medicina
E você será bonito
Você aí terá um carrão
E aquele ali, um cigarro.

Você terá o que comer hoje
E esse outro, será empregado do ano
Vosmicê terá uma namorada
E seu vizinho ficará sozinho.

Trabalho feito - posso dormir.

(Jayane, 02/08/11)

VI

Não é só isso! Nunca foi só isso!
Não foi só isso que morreu.
Foi uma eu inteira que morreu
E este é o seu velório...

Não queremos companhia.
Nós, poetas, não queremos companhia.

(Jayane, 02/08/11)

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

V

Tinha um Francisco que vivia me dizendo das crenças que ele tinha.
E eu tinha nojo, meu Deus, como eu tinha nojo!

As pessoas iriam espalhar amor pelo mundo
E as guerras iriam acabar
E a educação seria boa
E a comida, para todos
E a saúde... o mundo seria saúde.

Eu tenho nojo de você, Francisco
De sua namorada
E do casal que vocês formam
Tenho nojo da sua fé em Deus
E da sua alegria
E da sua empolgação.

Eu tenho medo, Francisco
É de que seja só isso:
Saúde Educação Comida
O que eu quero você nunca diz

(Jayane, 01/08/11)

IV

Deve haver uma lei da inércia para o que sentimos.
Como que uma certeza de que as coisas ficarão
No momento em que estão
E uma continuação - de fato
Depois que elas se vão.
_________________________________

Se me perguntarem o porque do olhar triste
Direi que sofro de inércia sentimental
Ou que sou inerte
Tanto faz.

(Jayane, 01/08/11)

III - Conversinha De Gente

Conversinha de gente:
Sobre a hora
Sobre o minuto
Sobre a aula
Sobre o barulho

"Já são 10 horas?"
"Você viu o acidente?"
"As notas estão na secretaria"

E é isso a vida da gente:
Conversinha de gente.

(Jayane, 01/08/11)

II

Chegou a hora de fechar a janela
A ordem é cerrar cortinas
Bater as portas
Guardar os livros
Todos os gritos
Todos os choros
Todos os mitos

Não cheque os e-mails
Não procure os correios
Não vá a festas
Não tente ser diferente
Não acredite que é poeta

Porque nada é
Nada vem
Nada há
E não tem porque ser

(Mas eu não me acostumo
Eu nunca me acostumo
E todo dia dou uma olhadinha
Pela fresta da minha janela:
........................................)

(Jayane, 01/08/11)