sábado, 29 de outubro de 2011

LIV




Hoje o dia durou uma eternidade
E a eternidade valeu, só por esta tarde

Fui pra cozinha na hora certa
E preparei a merenda pra minha avó:
Uma tapioca cheia de queijo
- que não suba a pressão, amém -
E um cafezinho

Ela ficou sentadinha, bonitinha, tomada banho
Me vendo ralar queijo, peneirar goma, passar café
E ficava me contando as traquinagens dos netinhos dela:
"O Pedrinho, daquele tamanho, dizendo que a mãe devia pegar o esperma do pai, colocar dentro dela e fazer um irmãozinho pra ele! Esses meninos de hoje..."

Cortou o braço, não se lembra como
E eu fiz um curativo
"Minha pele tá cada dia mais fininha..."

Vem da sala pro quarto, segurando na parede
Me contar que a mulher da novela tem um vestido igual ao dela
"E eu pensando que gente velha não usava essas coisas"

Gente velha, que mistério na vida!
De ser assim sozinha, doze filhos, dezenove netos, nenhum velhinho
"Seu avô nunca disse essas coisas de eu te amo"

No médico, impaciente, cansada de esperar
E depois de um exame difícil, ela chora
"Que é que eu fiz da minha vida, meu Deus?"

Que é que a gente faz da vida, vó?

A gente tenta amar, comer, sorrir
E tenta  também fazer curativos pros cortes que vão aparecendo
Se não sarar, a gente segue, se segurando nas paredes
E vai afinando, até desaparecer

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