segunda-feira, 31 de outubro de 2011

LVII - O Último Poema



São 3 e 9 da madrugada
E eu ainda não consegui dormir
Não é por causa boba
É pela causa mais importante:
Acho que eu descobri o que eu quero
-Silêncio, tenho medo que me fuja!-

O que eu quero é assim,
A coisa mais natural de se querer
Quantas voltas tive que dar
Para chegar ao que fácil se vê
A visão que me veio foi assim:
Um homem e uma mulher
Sentados, um de frente para o outro
Nos bancos de uma rodoviária movimentada
O diálogo, em que só a mulher fala, é dos séculos:
- Fim de toda a baboseira!
Tudo quanto viemos conversando é chiado de rádio
E nós queremos o simples, o refinado: a música
Nós somos dois
Eu sou mulher, você é homem
E, antes disso, eu sou corpo, você é corpo
Nós temos vísceras por dentro
Nossas tripas estão cheias de merda
E nosso sangue vai dentro de tubos
E eu te conheço há tanto tempo
E nunca toquei seu cabelo
E nunca toquei seu rosto
E nunca toquei seus lábios
Tudo quanto viemos conversando é chiado
Eu nunca toquei seus lábios
Teu corpo nunca sentiu o meu
E falamos como dois gravadores colocados perto um do outro
Me dá tua mão!
Me dá teu cabelo!
Me dá teu pau!
O que não é abraço é chiado
O que não é sangue é estática
Só se faz música beijando
Só é poesia o que é sexo
De nenhuma filosofia me lembro tanto quanto de um beijinho na mão
E nenhuma literatura vale mais que um cheiro no cangote!

E aí eles já choravam
E aí eles já beijavam
E aí eles finalmente se davam
A ficar calados
Para ouvir a música

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