terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Abajur: Para de se iludir!
Curinga: Não posso. Ilusão é meu ganha-pão.
Abajur: Aí cê se ilude de novo! Cê sabe o que cê é.
Curinga: Não dá pra ser artista emendado-tempo. Não dá pra viver com a realidade na ponta da agulha.
Abajur: Tudo que não é arte é ilusão.
Curinga: Tudo que não é arte é ilusão.
Abajur: Você é amante do descompromisso.
Curinga: Sim, só sirvo pra vender pulseirinha na praia.
Abajur: Então, pra que isso?
Curinga: Pra...
Abajur: E então, pra que entrar nessas coisas, pra que?
Curinga: Entro pra poder sair. Encho pra poder esvaziar. A gente começa é pra poder terminar.
Abajur: Ah, tá. E não dói o caminho até lá?
Raquel, 43 anos, aprendeu a falar "salsicha" corretamente.
Antes, ela falava "chalchicha".
E antes era lindo como a bochechinhas se contraiam enquanto ela falava assim.
E antes era lindo ver tanto chiado junto.
Raquel era uma gatinha.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Sou um idiota com defeito
Não sei ser idiota inteiro
Eu nem o desejo, não mesmo.
Mas eu o amo como o artista que contempla o personagem perfeito que ele queria ter criado. E vê que o personagem existe. E que até nos defeitos ele é verdadeiro e real.
Eu também tenho um Bernardo. Eu também tenho um Bernardo, Manoel.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Eu sou a pessoa mais religiosa que eu conheço. Meu misticismo é o que me move todo dia de manhã até a parada de ônibus. E sou apóstata.
Eu e um amigo conversando: penetração anal, sodomia, sexo anal.
Meu Deus, que coisa feia! Como a gente pode ser tão baixo a ponto de não falar "dar o cu"?
E que pode ser mais lindo que "dar o cu"? Ora, o que pode ser mais lindo que dar qualquer coisa?
Todo mundo dá! Aliás, todo mundo quer dar. Quem não dá fica tristinho.

Poder dar. Dar a buceta, o pau, o cu, a boca, o ouvido, os cabelos, a nuca, a junta do joelho, o dedo mindinho, o suvaco, a aorta, o dente cariado, uma espinha, um bomdiaamor. Poder dar tudo é que é a grande graça. São Francisco, meu santo preferido, é bem claro: "pois é dando que se recebe". Dizem isso todos o santos, todas as santas também. Diz isso Deus. Digo isso eu, que andei longe de dar tudo.

Como eu queria ter dado mais... Dei tão pouco, tão pouco...

Alguém disse que não acredita num Deus que não dança. Pois eu não acredito num Deus que não dá o cu.
Hoje estou feliz porque quando falo no celular falo sorrindo, porque é sempre alguém com quem quero falar.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Pra tudo se acabar na quarta-feira...

Divine, DIVA! 
O amor romântico é pesado. O amor romântico dói na vista de tão espalhafatoso. Ele dói no couro de tão violento.

Agora me vieram à mente duas drag queens gordas praticando sexo com requintes de masoquismo.
Amor romântico é isso.

Não, essa não é a minha fantasia. Há quem goste, eu não.

(Ufa! Ele já foi embora... Agora a gente pode brincar carnaval!)

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Ela sabia como era não conseguir falar.

Ainda me espanto quando as estruturas de uma pessoa se revelam para mim. Elas sempre são tão frágeis. As pessoas desabam, estão sob constante risco de desabamento.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

1

Nunca pensou que fosse sentir tanta falta deles. Eles, o Grupo.

O Grupo nunca fora de amigos, é verdade. O Grupo era um motivo para ir ao bar.
Num dia como esse, ela só precisaria ligar pra um deles e todos acabariam aparecendo. Um a um, a mesa cativa dos cinco. Os pedidos de sempre. Ela com sua vodca, naturalmente. Só por causa da vodca aprendera russo. "Tudo mais é estúpido como um Dostoiévski ou um Górki".

João morreu afogado, bêbado que caiu num rio.
Pedro casou e foi morar em São Bernardo do Campo.
Não viu mais o Cláudio depois da festa de formatura.
Mas Alice estava na cidade!
- Ah, ela tá grávida, é verdade. Não pode beber...

Estava exilada mesmo. Ir ao bar sozinha era uma espécie de exílio.
Um exílio na Rússia, uma prisão na Sibéria. Não tem vodca que aqueça.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

A quem eu agradeço por saber escrever?
Não digo saber escrever, escrever mesmo
Mas escrever, escrever botando significado nas palavras

Porque tudo o mais dá errado
Falar dá errado
Pessoas sempre dão errado
Faculdade, então... é o errado dos errados
Trabalho provavelmente dará errado também
Mas escrever dá certo
Não sei se pra você, que me lê
Mas, pra mim, escrever é só o que dá certo
É minha salvação na vida
Eu posso acordar amanhã e enfrentar as coisas
Porque escrever dá certo
Escrever dá certo dentro da minha cabeça
Mesmo que eu não escreva
Porque eu estou sempre escrevendo
As vezes mando pra alguém
Mesmo as pessoas não dando certo
Às vezes eu mando
Porque escrever sobra e eu tenho que mandar

Escrever é uma felicidade só minha
Ninguém me tira

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Basta um instante, basta um instante

"Quando eu vi você
Tive uma ideia brilhante
Foi como se eu olhasse
De dentro de um diamante
E meu olho ganhasse
Mil faces num só instante

Basta um instante
E você tem amor bastante

Um bom poema
Leva anos
Cinco jogando bola
Mais cinco estudando sânscrito
Seis carregando pedra
Nove namorando a vizinha
Sete levando porrada
Quatro andando sozinho
Três mudando de cidade
Dez trocando de assunto
Uma eternidade, eu e você
Caminhando junto"

(Amor bastante, Paulo Leminski)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

o ser mais perfeito do universo ou cansei de ser corajosa

o ser mais perfeito do universo
- sim, alguém é mais perfeito que os outros - 
é o ser que conseguiu ser perfeito em covardia

é um rapaz
e ele 

ele está esperando ser um velho professor fofinho de quarenta anos que ouve uma cartomante dizer que o amor da sua vida chegará aos sessenta 
e ele esperará entusiasmado
junguiando

ah, cansei
não vou terminar de escrever o que tenho na cabeça
essa coisa enorme que eu queria dizer, e cheia de mágoas
pra continuar sendo corajosa
pra continuar sendo a que diz
a que age
a que beija
a que pega
a que vai atrás
cansei
cansei de ser corajosa

se eu continuar fazendo massagem mental pra racionalizar isto, minha cabeça vai ficar ainda mais desproporcional em relação ao corpo

então não racionalizarei mais e deixarei o óbvio vir
já veio
taí ó

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

um dia eu te chamarei pra pular amarelinha
um dia em que te chamar para pular amarelinha seja por-do-sol
um dia em que você suará e molhará o cabelo de suor
e tomará banho aqui e dormirá aqui
porque sim
porque se quer

sou baleia
estou a beira da morte
e sonho com um mundo cheio de preás
deem logo um tiro que me mate

gosto gostoso do gosto gososo de gosto do gosto de gostos gososos

o centro tem mendigos debaixo do monumento à independência do brasil
no centro todas as pessoas vendem alguma coisa
no centro todas as pessoas compram alguma coisa
no centro todas as pessoas comem alguma coisa
no centro o cachorro quente com refrigerante espoca-bucho custa 2 reais (e eu nunca tive caganeira depois)
no centro eu comprei por 10 reais um vestido que eu posso usar para ir ao centro
no centro eu comprei por 10 reais um vestido que eu posso usar para ir passeio público que fica no centro
no centro fica o passeio público
no centro tem um espelhinho numa árvore do passeio público e qualquer um que olhe pode ver eu e você
no centro tem a catedral suja e gótica e amedrontadora
o centro tem vista para o mar
no centro tem a praça do ferreira e a praça do ferreira quando o sol está se pondo é cheia de vento e bolhas [de sabão e pessoas e velhinhos fazendo nada
no centro tem uma loja do tamanho da minha casa cheia de botões e lá minha mãe comprou os botões verdes [pra colocar no vestido que eu ganhei
o parque do cocó não é mais bonito porque não é no centro
o centro é pura sofisticação
só existe poesia no centro
o centro é o lugar certo pra vagar quando a vida quer ir embora
quando a vida vai embora, primeiro ela dá uma passadinha no centro
pra ver os leões da praça dos leões
e os sebos da 24 de maio
e a santa casa de misericórdia
e as esfinges do passeio público
e o casarão
the mazy casarão
no casarão a mulher explica "você sobe a escada e ao mesmo tempo desce a rampa e dando uma [abaixadinha você vê a mulher que tem as blusas golas V"
ah, no centro as pessoas são tão feias!
no centro tem cartomante cigana ladrão doido prostituta estudante de medicina
tem praça da estação e tem trem
tem mercado são sebastião e o doidinho da esquina que me acha fofa
do centro eu vou pro dragão de mar e pra praia a pé com medo de levarem minha bolsa do peru
o centro do theatro josé de alencar onde eu abracei o rubem alves
o centro das casas antigas que agora são comércio antigo
o centro onde eu e aquele que eu ainda gosto compramos meu violão
o centro da juzaura, a mendiga que lê uma revista de cabeça pra baixo em francês
ah centro centro centro centro centro centro
"aqui eu vivi meus primeiros amores aos 15 anos"
o centro dos meus piores e melhores dias
pego o ônibus voltando
só pra passar no centro

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Lígia estava com a vaidade saindo pelos poros desde que encontrara uma relação entre os textos de Clarice e Kafka, essencialmente entre "A paixão segundo G.H." e "A metamorfose". Andava com os dois livros pra lá e pra cá, comparando trechos, relendo partes que grifara para postar em alguma rede social. Constatara uma clara in-ter-tex-tu-a-li-da-de. Teria que falar pausadamente essa palavra grande diante da professora de Literatura Comparada de Gêneros Exóticos III. Já tinha até o título do ensaio que escreveria: "Baratas voadoras da República Tcheca - intertextualidades de barriga no chão". Manoel de Barros faria o prefácio (sim, porque já era uma dissertação de mestrado). Terminaria com a famigerada canção do Renato Russo - "e você sabe o que é ter pavor, pavor, pavor de baratas voadoras?". Rússia, Ucrânia e República Tcheca, numa linda conexão do Leste Europeu, o que tornaria a sua tese de doutorado ainda mais underground (porque a França está muito clichê, não é verdade?) Até lá já teria tirado o aparelho odontológico e poderia falar in-ter-tex-tu-a-li-da-de com mais clareza. Lígia Fagundes Varella. E o Lattes mais bonito da cidade.

Mas pobre Lígia... Que desgosto, que desgosto... Já havia escolhido a citação inicial de seu trabalho quando o Jorge Alphonsus de Guimaraens, do Grupo de Estudos Kafkianos, compartilha liricamente no livro das faces a grande descoberta: um poema com 10 cantos e em decassílabos intitulado "Samsa vai dar uma chinelada na barata da Clarice".

E o mundo acadêmico perdia uma obra-prima de poeira, papel, capa dura e letras douradas a ser exposta na estante da pós-graduação da biblioteca da universidade. O seu lugar na prateleira sofre, entregue às baratas!