quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Mexerica



Adoro comer mexerica - os rituais
De fazer um cortezinho em cima
Enfiar o dedo indicador e sair puxando
A casca saindo direitinha, macia
- Parece que fizeram mexerica só pra casca sair bem -
Os prazeres
O cheirinho bom subindo
E ela ficando nuinha em gomos
E eu separando os gominhos
O cuidado de não estourar
O cuidado de sentir bem o veludo branco
E ver bem os saquinhos de suco arrumadinhos
Esperando minha boca
Que já nem liga se é doce ou amargo
Ou um gosto todo novo
Gosto de quê?
(Meu amor, eu quero comer mexerica com você)

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Escrever sempre foi minha única solução. Eu não sei falar, não consigo. Quando sai a minha voz, sai chorando, gritando, tremendo.

Não é uma solução. Não tem solução.

Lá vem ela. Faz uns dias que ela está à espreita. E eu estou desesperada por algo que a contenha.
Mas daqui a alguns dias eu vou começar a brigar com todas as pessoas. E então ela não deixará eu me comunicar com mais ninguém. E então eu vou querer morrer. E é engraçado.

É engraçado como as pessoas não sabem lidar com isso. Está fora do mundo prático permitido. Está fora dos discursos da direita e da esquerda. Ninguém sabe o que fazer quando alguém chora. Quando alguém chora, a gente chora também e abraça. É tão simples. (Mas só se você perceber que ela quer isso, o que também é muito simples.)

Não resolve nada - não tem solução - mas a compressão de um abraço é um amolecimento tão... esquecedor ("abraço é uma compressão que afrouxa" - também sei fazer frases idiotas). Às vezes eu até esqueço. E num é assim? A gente esquece um pouquinho, depois lembra, depois esquece...

Então para de buscar solução, garota. Para de procurar.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Tão lindo...

Se eu não sei escrever meu próprio riso
Como escreveria o de namorados tomando banho juntos?
Não tinha mesmo pretensão de escrever
Só queria guardar isso
Como coisa que tem que ser protegida
De todo o resto desimportante
Pesado, feio, sujo

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Hum...

Gosto das coisas inacabadas, não tenho andor de acabar as coisas.
Uma bolsa branca de crochê é pra nunca se terminar. A tiara laranja eu terminei e esqueci, sei nem cadê. A bolsa não, ela tá lá, sempre uma coisa que não se define, um talvez-bolsa, um devir-bolsa, um chapéu.
Na música mais linda que eu sei tocar sempre falta um acorde de si menor.
E você, você se chama Pax, o ser que não é homem nem mulher. O ser que é poesia.
E eu, eu me chamo sem nome. Espero um nome que você há de me dar.
E eu plantei em você um inacabamento - um beijo inacabado.
Um beijo inacabado, uma vez inacabado, não acaba nunca, é um beijo infinito, Pax.
Nós estamos nos beijando infinitamente, meu carinho.
Mesmo que nossos olhos nunca mais se encham d'água de sermos tão pó
Mesmo com abraços-não-há
As coisas inacabadas são sempre - eis o mistério.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Quero-te para grandes conversas
Mas essencialmente para despalavramentos
Para momentos de grande olhar
E de grande acordo entre nossos abraços e as árvores

domingo, 11 de dezembro de 2011

Forte

Minha irmã disse pra mim:
"Você t'avê uma criança hoje..."

Então é o brincar que faz a criança?

Essa ânsia de brincar o dia inteiro
Do movimento do corpo e da imaginação
A carinha fechada quando interrompem

(Adultos são os seres sem abraços
Sem braços
A solidão é um adultecimento nato do ser humano)

Sim, é o brincar que faz a criança
Brinquemos, pois.

domingo, 4 de dezembro de 2011

D7M(9)/F#

Por que que depois que o pai da gente briga com a gente, a gente não pode mais tocar violão?
Acho que ele ia achar que eu não tô nem aí pro que ele diz.
Mas é exatamente assim que eu me sinto: nem aí. Eu só quero o meu violão.

Não gosto



Não gosto quando meus amigos arrumam namorado, da. Não gosto quando meus amigos se casam. Não gosto quando meus amigos estão quase se formando. Não gosto quando meus amigos tem filhos. Não gosto quando meus amigos trabalham.

Vão crescer longe de mim. Me dá vontade de chorar só de pensar que vocês tão crescendo. Eu não deixo vocês crescerem.

Eu me sinto tão criança e vocês aí tendo filhos, sendo médicos, advogados, sociólogos? Não pode, não pode, não pode! Eu ainda nem beijei alguém de-mo-ra-da-men-te e sem pressa e vocês estão casando?

Não pode, não pode, não pode!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

I miss you...

Nada como um trabalho de 20 páginas - que é a minha última chance de não reprovar a disciplina na faculdade - para me fazer esquecer todo um vazio dentro do peito.

Substituir "Livro do Desassossego" por "Causalidade e Epidemiologia".

Senhor Nada, só mais uma semana e a gente pode se amar. Até lá.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Descrescer

Pelos abertos do ônibus, o menino viu o tempo se fechar, ficando nublado, escurecendo ao meio-dia:
- Tá chuveno sem água! 

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Presentes

Meu pai chegou do mar e me trouxe um protetor de ouvidos que barra 90% dos sons e um vídeo com ele e golfinhos acompanhando o barco em que ele estava, em alto-mar:
- Era tudo que eu queria, pai!
Minha mãe chegou da casa da amiga que vende produtos eróticos e me deu três camisinhas sabor chocolate e um "lubrificante interno" sabor morango:
- Era tudo que eu queria, mãe!
Minha irmã me ligou pra dizer que as mudinhas de cacto pegaram e que me trará uma na próxima vez que vier aqui:
- Era tudo que eu queria, irmã!

Esses três sabem como me agradar.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

...

Sal, limão e álcool
Açúcar, limão e álcool
Limoeiro
Eu queria estar bêbada sem estar
O uísque arde só no começo
No final é doce
No final é doce...

Lúcia, irmã do Luciano



Sinal fechado, avenida José Bastos, eu comia uma empada de camarão:
- A gente tem que comer é no meio da rua, né? - Ela comia um pedaço de bolo.
- É o jeito!
- Eles dizem que é pra gente comer devagar, sentadinho, mas como? Não vou morrer de fome! - O sinal fecha e a gente passa o primeiro lado da avenida. Ia passar direto pelo segundo lado, um carro vinha, ela segura minha mão. E não solta.
- Pronto, agora dá pra passar. - Ainda segurando minha mão. No meio da faixa, flutuante momento de se atravessar ruas, larga minha mão, pega no meu cabelo:
- Acho lindo seu cabelo, era doida que o meu fosse assim, cheio de cachinhos - Eu meio sem saber o que falar, sou fraca pra elogios.
- Você não é daqui não, né? - ela continua.
- Não, sou de Limoeiro.
- Ah, eu sabia, essa gente daqui vive com a cara emburrada, com medo de tudo. Mas toda vida que eu venho aqui acho gente simpática como você! Sou de Russas, vizinho a ti! Se um dia você for lá e ouvir falar do Luciano cabeleireiro, lembra: "Luciano, Luci... Lúcia! É o irmão da Lúcia!". Ah, é, meu nome é Lúcia!
- Prazer, Lúcia!
- E qual é o seu nome?
- Jayane.
- Você estuda aqui?
- Aham, e tu, faz o que por aqui, mulher?
- Eu tinha consulta aí no Hospital das Clínicas. Toda vida que eu venho aqui, faço amizade com todo mundo! Eu tenho lúpus. Mas não pega não, viu?
- Eu sei. Lúpus Eritematoso...
- Sistêmico!
- Hum... auto-imune, né?
- Exatamente, só é ruim pra quem tem, não tem risco nenhum pros outros. Você mora onde?
- Ali perto do centro...
- E pega qual ônibus?
- Ah, qualquer topic dá pra mim.
- Hum... Eu fico na casa da minha irmã quando eu venho aqui, lá na Aerolândia. É só um ônibus que eu pego, mas é uma eternidade... Ei, continue sempre assim, simpática, que se as pessoas fossem assim, as coisas seriam bem melhores.
- É... Verdade, Lúcia.
- Olha aí, lá vem a topic! - Ela nota primeiro que eu.
- Valha, é mesmo. - Aí eu abraço a Lúcia e a gente se abraça.
- Tchau, boa sorte!
- Ah, sorte eu já tenho! - Minha velha amiga, a Lúcia, de Russas, irmã do Luciano.

domingo, 20 de novembro de 2011

Alone is okay



If you are at first lonely, be patient. If you've not been alone much, or if when you were, you weren't okay with it, then just wait. You'll find it's fine to be alone once you're embracing it.

We could start with the acceptable places, the bathroom, the coffee shop, the library. Where you can stall and read the paper, where you can get your caffeine fix and sit and stay there. Where you can browse the stacks and smell the books. You're not supposed to talk much anyway so it's safe there.

There's also the gym. If you're shy you could hang out with yourself in mirrors, you could put headphones in.

And there's public transportation, because we all gotta go places.


And there's prayer and meditation. No one will think less if you're hanging with your breath seeking peace and salvation.

Start simple. Things you may have previously avoided based on your avoid being alone principles.

The lunch counter. Where you will be surrounded by chow-downers. Employees who only have an hour and their spouses work across town and so they -- like you -- will be alone.

Resist the urge to hang out with your cell phone.

When you are comfortable with eat lunch and run, take yourself out for dinner. A restaurant with linen and silverware. You're no less intriguing a person when you're eating solo dessert to cleaning the whipped cream from the dish with your finger. In fact some people at full tables will wish they were where you were.

Go to the movies. Where it is dark and soothing. Alone in your seat amidst a fleeting community.
And then, take yourself out dancing to a club where no one knows you. Stand on the outside of ethe floor till the lights convince you more and more and the music shows you. Dance like no one's watching...because, they're probably not. And, if they are, assume it is with best of human intentions. The way bodies move genuinely to beats is, after all, gorgeous and affecting. Dance until you're sweating, and beads of perspiration remind you of life's best things, down your back like a brook of blessings.

Go to the woods alone, and the trees and squirrels will watch for you.
Go to an unfamiliar city, roam the streets, there're always statues to talk to and benches made for sitting give strangers a shared existence if only for a minute and these moments can be so uplifting and the conversations you get in by sitting alone on benches might've never happened had you not been there by yourself

Society is afraid of alonedom, like lonely hearts are wasting away in basements, like people must have problems if, after a while, nobody is dating them. but lonely is a freedom that breaths easy and weightless and lonely is healing if you make it.

You could stand, swathed by groups and mobs or hold hands with your partner, look both further and farther for the endless quest for company. But no one's in your head and by the time you translate your thoughts, some essence of them may be lost or perhaps it is just kept.

Perhaps in the interest of loving oneself, perhaps all those sappy slogans from preschool over to high school's groaning were tokens for holding the lonely at bay. Cuz if you're happy in your head than solitude is blessed and alone is okay.

It's okay if no one believes like you. All experience is unique, no one has the same synapses, can't think like you, for this be releived, keeps things interesting lifes magic things in reach.

And it doesn't mean you're not connected, that communitie's not present, just take the perspective you get from being one person in one head and feel the effects of it. take silence and respect it. if you have an art that needs a practice, stop neglecting it. if your family doesn't get you, or religious sect is not meant for you, don't obsess about it.

You could be in an instant surrounded if you needed it
If your heart is bleeding make the best of it
There is heat in freezing, be a testament.

(By Tanya Davis)

Eu tenho essa impressão de que antes de aprender sobre meningite ou sobre o financiamento da educação, eu tenho que aprender a ficar sozinha. Mas é só uma impressão. E não é difícil não, porque eu gosto. (E quero um suporte pra violão igual ao dela, a menina do vídeo). 
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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Deixe ser II

Se eu tiver uma filha e, num eventual aniversário, vierem com aqueles milhões de bonequinhas e conjuntinhos de panelas pra ela... Eu juro: que me controlarei pra não bater em ninguém. O mesmo para roupinhas cor-de-rosa e da Barbie. Não dá pra aceitar que condenem minha filha a ser uma dona de casa, magrela e loira que fica em casa cuidando das crianças enquanto o marido (claro, porque minha filhinha tem que ser heterossexual, né?) sai pro trabalho de carro. Se ela quiser ser isso, eu só vou poder pegar minha tristeza, enfiar num canto qualquer e aceitar. O que me deixa puta é que isso seja a norma. Aliás, estou baixando uma regra para aniversário dos meus filhos: é proibido levar presente. Isso mesmo, não corro o risco de ser presa por agressão física (quem sabe daqui pra lá aprendo a controlar minha raiva com gente escrota, com ideias escrotas? - pode ser, o problema é que eu não quero!) e ainda ensino que o importante é o convívio com seres humanos, o compartilhar de sabores e saberes, recepção dos abraços, em vez de recepção de presentes. O aniversário de um filho como a comemoração de mais um ano com ele ao meu lado, ao nosso lado: caramba! como eu não tinha pensado nisso antes? É tão óbvio! Que sentido tem esses aniversários cheios de presentes e músicas idiotizantes? E com meninas vestidas como princesinhas, atrás de bolos com princesas da Disney e todas aquelas poses que mandam a criança fazer para tirar fotos que serão colocadas em pôsteres na paredes de quartos rosas cheios de bonecas... ECA!

Não estou assim à toa! Não é paranóia ou mimimi. Semana passada foi o aniversário da minha prima de 9 anos. 9 anos e já uma consumidora voraz de bens totalmente supérfluos de nossa cultura massificada, massificadora e superficial. Ela estava toda de rosa e afirmava que só gostava de rosa e quando eu perguntava por quê, dizia: "porque é de menina". Rodeada por suas bonecas e carrinhos de bebê - o único carro que ela pode dirigir (aliás, por que dirigir qualquer carro?) - ela posava com sorrisos forçados para fotógrafos e a mãe - orgulhosíssima da sua filhinha (que nem ler direito sabe ainda, pois ninguém tem tempo pra ajudá-la com os deveres da escola) - corria de um lado pro outro para receber convidados e distribuir comida enquanto o maridão ficava na varanda tomando umas "geladas" com os amigos. Acrescente-se que eu nunca vi esse casal trocar um beijo sequer, um carinho sequer, uma demonstração de amor. Eu olhava para essa cena, meio triste, meio puta da vida, e me perguntava como isso podia ser tão natural ali, naquela hora, naquele instante. As pessoas estavam lá, mulheres com "roupa de mulher", homens com "roupa de homem", meninos com "roupas de menino" e meninas com "roupas de menina", cada qual vestindo sua roupa e cumprindo seu papel, conversando seus assuntos, sempre os mesmos, sempre os mesmos. E pronto! É assim que as coisas são. Tinha vontade de sair gritando, de... não, tinha desânimo mesmo, sabe?

E quanto aos brinquedos tipicamente para meninos, não esqueci não. Quando eu era criança, me lembro muito bem de morrer de inveja dos brinquedos que eles ganhavam. Tenho até fotos, eu lá, morta de feliz brincando com os carrinhos de controle remoto no aniversário do meu primo - depois de muito disputar com vários meninos que, já naquele idade, se achavam com mais direito e liderança sobre carrinhos. Os brinquedos deles se movimentam, piscam, fazem barulho e obrigam você a se movimentar também. Tudo que eu queria na minha infância um barco pirata, um nave espacial, pecinhas de lego. Claro que MEU PAI tinha a sensibilidade de perceber o que eu gostava e de me dar trenzinhos, rádios, carrinhos, piões, quebra-cabeças e coisas pra ler e pintar - coisas que, de tão usadas, foram se deteriorando com o tempo, diferente das bonecas, que passaram intactas pela minha infância.

Era uma preferência minha. E aí vem aquela eterna criança incompreendida que todo mundo carrega... Que não sei se faz bem ou faz mal, só sei que ela existe. Será que eu teria sido mais ou menos feliz com esse ou aquele outro? E pra que ser feliz, se às vezes uma dorzinha é uma forma gostosa de felicidade? Aliás, o que é ser feliz? E será que existe, esse "ser feliz"?  E porque é mesmo que não abraçamos de vez nossa efemeridade? Por que não afirmamos nossas potências criativas? Por que não as desconstrutivas também? Por que é que em vez de interditar e de classificar tudo segundo normas cristalizadas em instituições, nós não regamos o mundo, os outros e o coração com as coisinhas mais diminutas e des(importantes) de viver para que tudo brote?

Será que eu vou ter um filho que só gosta de se vestir de rosa e brincar de boneca? Ou minha filha que só consegue se divertir com aviõezinhos de papel? Uma preferência por este ou aquele brinquedo não significa uma preferência sexual, uma preferência afetiva (aliás, por que esse nome "preferência sexual", como se isso fosse uma escolha e algo que se faz para todo o sempre?). Significa tão somente uma preferência por este ou aquele brinquedo. O que acontece é que os brinquedos são vistos com olhos sujos dos significados e significâncias que damos a tudo - damos? quem deu esse significado?

Desvirginamos o olhar da criança com uma vontade - agora sim - quase sexual. A gente quer encaixotar o serzinho, assim que ele nasce, em vez de tentar protegê-lo o máximo possível desse processo inevitável de ser podado pelas coisas preexistentes. Liberdade, acho que protege e acho que não existe. Não existe, pra mim, essa liberdade absoluta, claro que não, mas será que não dá pra deixar as pessoas um pouquinho mais em paz? E não dá pra gente, só de birra, fazer o que a gente quer? Será que não dá pra deixar ser?

(Por Herley Lins e Jayane Ribeiro)

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Um Amor Possível

Primeira música tocada e cantada no violão: "meu mundo ficaria completo(com você)".
Depois que eu consegui, finalmente, sincronizar canto com acordes, fiquei me perguntando o porquê de eu ter passado o feriado inteiro nisso. Aí eu olhei pra mim: tinha colocado o espelho bem na minha frente, pra ficar me vendo tocar: com você, meu mundo ficaria completo...

Eu passei o feriado fazendo serenata pra mim mesma...
(Mas, vá lá, talvez eu faça pra outra pessoa, um dia.)

Próxima música, então!

Fé no Mengão

"Deus me perdoe, mas eu vou nessas igrejas de crentes e não sinto nada. Tenho é raiva! Uma vez, tava numa, a que sua tia frequenta, e disseram que quem não dava o dízimo não tava abençoado. Má! Eu saí na mesma hora... De besta eu só tenho a cara. Minha filha, coloque aí na Band, tá passando o brasileirão..."

"Eu não sei o que esse povo vê de bom em cerveja... Amarga véa! Bom mesmo é cachaça! Rum é bom demais também. Vixe, eu bebia até... (risos)"

(Égua, vó! E eu puxei foi todinha a tu, foi?)

Bibiu

"Minha professora do primário era a dona Amerinda. Dia desses fui lá na casa dela. Pois num é que ela chorou que só, abraçada comigo!? Ela disse que lembrava, quando eu era pequena, dizia pra ela:
-Eu quero estudar, que eu vou crescer na vida é por estudo! Vou ser advogada!
-Mas Bibiu, tu vai defender quem, que esse povo daqui num tem dinheiro pra nada?
Pois foi... O que eu mais tinha vontade nessa vida era fazer um curso numa faculdade... Mas como, que eu só tinha a quinta série, fiz o supletivo do primeiro grau depois de velha? E o pessoal ainda ficava falando de mim, nas estradas:
-Mas essa Bibiu gosta de se mostrar. Pra que, velha desse jeito, ainda ir atrás de estudar?
Mas era tão bom, ir pra escola... Seu tio Chico ia me deixar, às vezes, outras era seu avô. Seu avô indo me deixar na escola... (ri). Se tivesse ali perto, ainda ia fazer o segundo grau. Ora, se eu me importa com ninguém falando! Você tem algum jornal aí pra eu ler?"

Aí eu dei o "Opinião Socialista" pra ela ler. Não, eu não sou do PSTU. (Mas talvez minha avó venha a ser).

Tapioca

Hoje acordei 6 e meia da manhã, já pensando em sair pra comprar pão, fazer café, suco, enfim.

Chego na cozinha e tá lá, tapiocas feitas, café na garrafa e ela tomando seu copão de vitamina - minha avó.

-Vó, desde quando tu sabe fazer tapioca?
-Aprendi com você!

Eu vivo pra ouvir essas coisas.

-Eu ficava olhando você fazer, aí fiz. Tá boazinha, não faz vergonha fazer pra ninguém não.

Ter vó em casa não é sempre bom não. Às vezes falta a paciência: é uma história que ela já contou mil vezes e sempre conta de novo, é uma mania de querer saber tudo, ter que ficar perguntando se ela escovou os dentes, olhar quando ela vai acender o fogão (uma vez o gás passou a manhã inteira aberto; se a gente risca um fósforo?)...

Mas, essa do "APRENDI COM VOCÊ", de manhã cedinho, como é que eu aguento, hein, vó?

Fast food

- Jayane, como é que eu falo essa palavra? - vovó, com um jornal me apontando umas palavras em itálico.
- Ah, é fast food, vó! É inglês, significa "comida rápida".
- Aaaah, agora tá explicado. Você sabia que os japoneses criaram essa comida no pós-guerra, por que, com o país em reconstrução, não tinham muito tempo?
- Não vó, não sabia...
- Pois é, esses macarrões instantâneos que você come. Deus me livre, isso não presta pra nada!

domingo, 13 de novembro de 2011

15 - Saudades

Algum bicho imenso comeu minha criativa-idade. Eu tô que só penso besteira e só tenho sono. E fome. Não tenho paciência para filmes, nem para músicas. Só o que me anima são meus livros e uma pessoa.

Esse bicho passou correndo, a engoliu e se foi... Talvez ele volte e a devolva, toda mastigada, suja, corroída. fedorenta. Minha criativa-idade. Minhas criações que eu podia assinar: Aya Ribeiro. Tudo que sai são espirros! Eu gosto de espirros, mas gostava mais dos gritos da Aya. Volta, menina...

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

LX

(Fernando Botero)


O casal obeso
Ocupava todo o banco da praça
Com seus beijos

Beijos acima do peso
Suculentos, gordurosos
Inchados dos olhos gordos
Das pessoas passantes
(Que só comiam salgados, tortas, refrigerantes)
Para os cheinhos da comida malina
Em que cada mordida
Deixa com mais fome que antes

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

14 - Rodízios de pizza me emocionam

Alguns gostos nunca mais voltaram:

Sorvete do Moreira - o que eu não daria por um sorvete do Moreira?

Caldo de arroz escaldado

Queijo do Raimundinho com pedrinhas

Doce de banana do vovô Abílio - ele só vazia quando coincidia de as bananas estarem quase podres e ele estar bêbado

Cabeças de piaba que sobram na frigideira - gente que tinha frescura e não comia a bichinha inteira

Coquinho de dentro da castanhola aberto com torque do vovô Abílio - uma tarde inteira pra tirar meia "xicrinha"

A primeira vez que comi banana-maçã

Miojo cru do Tiririca e da Mônica - até hoje chamo Miojo de  "macarrão da Mônica"

Pastel de 30 centavos que vendia na frente da escola - ter 1 real era ser rico na época

Pudim da dona Maria do catecismo

Sopa de letrinha da merenda escolar pública - como era gostoso, como era perfeito, como era mágico!

Pastel da esquina do Sacolão das Frutas

Manjar branco que veio na cesta de natal que ganhamos num sorteio da farmácia

Sanduíche do tio Fernando - ainda existe, mas é tão fácil agora... era bom quando eu tinha que aperrear a semana inteira!

Bife mergulhado em gordura da vó Margot - ela não faz mais, por causa do colesterol

Pizza em Limoeiro - nos meus 17 anos em Limoeiro, devo ter comido pizza uma única vez, lembrada até hoje pela nossa família; comer pizza é um tabu na minha casa: "Não, seu pai não tá em casa, a gente não pode comer pizza sem ele!"

Batom Garoto - ainda tem... Só que tem demais. Não é mais raro e valioso como naquela época, trazido da rua pela minha mãe só uma vez por mês e olhe lá... Comido len-ta-men-te e disputando com a Janice pra ver quem terminava por último e fazia inveja à outra... Janice sempre ganhava.

Pão de coco do balaio do padeiro que passava em frente lá de casa, de bicicleta - tinha que ficar "pastorando o padeiro". "Jayane, vai pastorar o padeiro!" Quem nunca pastorou um padeiro não sabe a verdadeira delícia de comer pão.

Minha língua é refinada nessas coisas. Me lembro agora como minha vida foi sempre assim, besta, tudo muito complicado, muito caro. Rodízios de pizza me emocionam, entenda.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

terça-feira, 8 de novembro de 2011

13

Os livros, minha maior companhia, desde sempre. Na maioria das vezes, a melhor também. 


Os Meus Livros
Os meus livros (que não sabem que existo)
São uma parte de mim, como este rosto
De têmporas e olhos já cinzentos
Que em vão vou procurando nos espelhos
E que percorro com a minha mão côncava.
Não sem alguma lógica amargura
Entendo que as palavras essenciais,
As que me exprimem, estarão nessas folhas
Que não sabem quem sou, não nas que escrevo.
Mais vale assim. As vozes desses mortos
Dir-me-ão para sempre.



(Jorge Luís Borges)

LVIII

Ele me chamou de egoísta. Doeu tanto...
Não eu ser egoísta, mas ele notar isso
É, eu sou egoísta mesmo.

Chamar de egocêntrica seria redundante
De egoísta ninguém nunca tinha chamado

Poxa, não era pra ninguém saber!
(Nem eu)

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

12

Longe do lugar conhecido, o sermos cada um apenas um e estarmos sós e - mais - isolados, isso tudo fica óbvio. E é tão boa essa sensação.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

11





Indo embora!
Não tão longe quanto eu queria
Nem tão só quanto eu queria
Nem tão acompanhada quanto eu queria
Mas indo embora, saindo do lugar
É sempre bom deixar tudo pra trás
Liberdade maior não há

(And you, baby, wait for me!)

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

LVII - O Último Poema



São 3 e 9 da madrugada
E eu ainda não consegui dormir
Não é por causa boba
É pela causa mais importante:
Acho que eu descobri o que eu quero
-Silêncio, tenho medo que me fuja!-

O que eu quero é assim,
A coisa mais natural de se querer
Quantas voltas tive que dar
Para chegar ao que fácil se vê
A visão que me veio foi assim:
Um homem e uma mulher
Sentados, um de frente para o outro
Nos bancos de uma rodoviária movimentada
O diálogo, em que só a mulher fala, é dos séculos:
- Fim de toda a baboseira!
Tudo quanto viemos conversando é chiado de rádio
E nós queremos o simples, o refinado: a música
Nós somos dois
Eu sou mulher, você é homem
E, antes disso, eu sou corpo, você é corpo
Nós temos vísceras por dentro
Nossas tripas estão cheias de merda
E nosso sangue vai dentro de tubos
E eu te conheço há tanto tempo
E nunca toquei seu cabelo
E nunca toquei seu rosto
E nunca toquei seus lábios
Tudo quanto viemos conversando é chiado
Eu nunca toquei seus lábios
Teu corpo nunca sentiu o meu
E falamos como dois gravadores colocados perto um do outro
Me dá tua mão!
Me dá teu cabelo!
Me dá teu pau!
O que não é abraço é chiado
O que não é sangue é estática
Só se faz música beijando
Só é poesia o que é sexo
De nenhuma filosofia me lembro tanto quanto de um beijinho na mão
E nenhuma literatura vale mais que um cheiro no cangote!

E aí eles já choravam
E aí eles já beijavam
E aí eles finalmente se davam
A ficar calados
Para ouvir a música

LVI

Fulano está em um relacionamento divertido com Alguém-Que-Pode-Lhe-Interessar
Contatos para ménage à trois: 2666-6969

sábado, 29 de outubro de 2011

LIV




Hoje o dia durou uma eternidade
E a eternidade valeu, só por esta tarde

Fui pra cozinha na hora certa
E preparei a merenda pra minha avó:
Uma tapioca cheia de queijo
- que não suba a pressão, amém -
E um cafezinho

Ela ficou sentadinha, bonitinha, tomada banho
Me vendo ralar queijo, peneirar goma, passar café
E ficava me contando as traquinagens dos netinhos dela:
"O Pedrinho, daquele tamanho, dizendo que a mãe devia pegar o esperma do pai, colocar dentro dela e fazer um irmãozinho pra ele! Esses meninos de hoje..."

Cortou o braço, não se lembra como
E eu fiz um curativo
"Minha pele tá cada dia mais fininha..."

Vem da sala pro quarto, segurando na parede
Me contar que a mulher da novela tem um vestido igual ao dela
"E eu pensando que gente velha não usava essas coisas"

Gente velha, que mistério na vida!
De ser assim sozinha, doze filhos, dezenove netos, nenhum velhinho
"Seu avô nunca disse essas coisas de eu te amo"

No médico, impaciente, cansada de esperar
E depois de um exame difícil, ela chora
"Que é que eu fiz da minha vida, meu Deus?"

Que é que a gente faz da vida, vó?

A gente tenta amar, comer, sorrir
E tenta  também fazer curativos pros cortes que vão aparecendo
Se não sarar, a gente segue, se segurando nas paredes
E vai afinando, até desaparecer

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

LIII

Sou um ser sufocado
Essa falta de ar
Essa falta de ar
Essa falta de ar...
Ela me deixa falar
Não tem é pra quem
Não tem é porquê
Não tem é quando
Não tem

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

9 - Ô, besteira!

Tem um menino que gosta de mim na escola, digo, faculdade.
E faz tempo... Mas só hoje deu vontade de pensar nisso.
Porque eu fui bem bonita hoje, até eu sabia disso - que eu estava linda!
As pessoas me olhavam na rua e o rapazinho da topic disse: EITA!
Chega eu andava com pose, não pisava no chão - e, se pisava, era num chão coberto de flores.
Completei tudo com um sorriso e estava me achando e sendo no mundo.

Aí alguém, de longe, grita meu nome.
Olho para trás, era o menino!
Ele sorri pra mim - sorriso de: "ela nem me nota, mas é tão linda..."
Eu sorrio pra ele - achando ele tão lindo!

Faz mais de ano que eu percebi que ele gosta de mim
Qualquer um nota...
Até poema ele já me escreveu - que eu devolvi, cruel.
Já esnobei ele de todo jeito.
Fui rude mesmo, uma vez em que estava do lado de outra pessoa - que me esnobava.

As pessoas são cruéis. Eu sou também.

Mas hoje, que eu era a menina mais linda do mundo, que eu não quero amar ninguém, que eu não sofro por ninguém... Hoje eu vi o menino. E deu essa vaidade de dizer isso: alguém gosta de mim.

(Como era mesmo aquele poema?)

terça-feira, 18 de outubro de 2011

LII - Such a fool for you

Você me deixa besta
E besta é uma coisa que só existe aqui
No nordeste do país Brasil
Mas você me deixa besta em qualquer lugar

LI - A Um Ser Insuportável

"Se acaso me quiseres, eu sou dessas mulheres que só dizem sim"

É mesmo tão difícil dizer sim?
Se eu te encontrar, em algum lugar
Tudo que eu quero te dizer é isto:
Oi. Adeus.
Eu não quero ficar perto de você:
Você não existe!
Tudo que você faz é falso
Seu sorriso é falso
Suas mãos não pegam a pele
Você não consegue ficar perto de pessoas
Você tem medo de pessoas
Não responde cartas
Não responde e-mails
Não devolve telefonemas
Se algo de verdade se aproxima
Você corre, morrendo de medo
Medo de quê, meu Deus?

Eu nunca te faria mal algum

Eu sou de verdade:
Eu faço besteira
Eu grito
Eu choro no meio da rua
Eu bato nas pessoas quando eu quero
Eu dou pra quem eu quero
(E até sem camisinha!)
Eu ligo a qualquer hora da noite
Eu não ligo, eu não ligo

Mas você, você me adoece
Porque você não existe
E eu te odeio profundamente
E te amo profundamente também
Porque eu sei que em algum lugar aí dentro existe alguém
E eu tenho essa mania de cavar, cavar, cavar, até achar

Mas você, você me adoece
Eu quero brigar com você
Eu quero te dar um tapa
E quero que você me bata também
Mas você não briga, você não bate
Você não, nada. 

Talvez você sinta que eu sei que você não é bom
Eu sei que você não é educado
Eu sei que você não é fofinho

Bonzinhos sempre dizem sim
E você, você não diz sim, nunca!

Você só lê sobre sins
Você só ouve músicas sobre sins
Você só fala sins em francês
Mas nunca comete nenhum pecado

E é por isso que eu te odeio
E é por isso que eu te amo
E nem te dizer isso eu posso
Quando eu te encontrar na rua
Porque você, você não existe


L

- Flautinha, queres ir comigo ao baile de sexta?
- Por supuesto, formosa viola!

E foram - ele dentro dela, fazendo música juntos.


 

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

IL

A mulher nua estava aprendendo inglês. Do banho, via: empty corridor.
Aí ela abraçou a água. Então, ela chorou.
Seus pingos foram pelo ralo:
Corre dor! Corre dor!


quinta-feira, 29 de setembro de 2011

XLVIII - Conversa Entre Mulheres II

Minha mãe é esperta, bem espertinha
Viu que meus poemas eram
Delírios de quem não pisa no chão
Rasgou e colocou os dela:

Água 32
Gás 38
Luz 55
Feira 350
Condomínio 400

"Minha filhinha, quer suco?"
"Mas é muito linda da mamãe! Benzadeus!"

XLVII - Conversa Entre Mulheres

Minha mãe é burra, burrinha

Ela pegou um caderno antigo
Onde eu escrevia poemas
Arrancou todos os meus escritos
Sem ao menos ler, nem um versinho

Agora usa as folhas limpas
Pra anotar as contas do mês:

Água 32
Gás 38
Luz 55
Feira 350
Condomínio 400

Ela não é só analfabeta funcional
Ela nem ao menos acha estudo a coisa mais fina do mundo

Minha mãe é a Macabéa
Não sabe que é
O pai dela morreu, ela chorou, depois foi terminar de fazer a janta

Minha mãe tem medo de elevador
Tem medo de escada rolante
Compra xampu pela cor do tubo
E Colgate, porque a televisão diz que é bom

Vou deixar o caderno no lugar em que achei
Vou fingir que não vi
Mãezinha nem traquinagem sabe fazer:
Traquina e deixa à mostra
Nem sabe que fez coisa errada

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

XLVI

Tem gente que a melhor coisa que fez por mim foi ter saído do meu redor
Plantinha, ainda nascendo-crescendo, com erva-daninha, atrofia

XLV

Brigar com pessoas do meu tamanho é uma covardia:
comigo mesma!
Não vou brigar com eles
Me recuso a fazer isso comigo
Os grandes é que precisam de grito!

XLIV - Poema Pra Você Jogar Na Lixeira

É saudável cometer atrevimentos.
Hoje, me atrevi:
Não falei - "o lixo causa doenças x e y"
Falei - "o lixo é feio"
Todos riram - fui tola!
E foi isso que eu pedi antes de apresentar meu sério trabalho acadêmico:
"Que eu seja tola, agora, e que meus colegas se sintam melhores com a minha tolice"
A estética do lixo me aproxima dele
O riso me aproxima das pessoas


terça-feira, 27 de setembro de 2011

XLIII

A maior parte das alegrias - em ser diferente
Ficará só na alegria - em ser diferente

Toda a alegria - em ser qualquer coisa
Ficará só na alegria - de ser essa coisa qualquer

A motivação de salvar o mundo é linda
Mas a revolução interna é a que motiva

Alegria por alegria
Parece muito dependente
Coisa que não vem da gente
Coisa que se tem que provar

Não concordo com o caráter
Não tenho que ser feliz
Não estou a fim de achar lugar

8 - Cпокойной Hочи

Minha roupas: metade eu ganho, de gente que não queria mais. A outra metade, minha mãe vê na loja, acha "a minha cara" e compra pra mim (E quando eu não tiver mais a minha mãe? Preciso de alguém que ache as roupas "a minha cara"). Só vou em loja por acaso.

Hoje minha mãe chegou das compras com um vestido, daqueles compridões, mas levinho. Experimentei, achei lindo! Aí minha tia soltou:
- Você devia ter visto na loja, ir com a gente. Lá tinha um monte, você é tão sozinha. 

Minha tia corou, desconversou, saiu do quarto.

É PROIBIDO SER SOZINHA! - foi o que ela me gritou. Ficou sem jeito porque câncer a gente fala "aquela doença".

Ouço agora uma rádio da Rússia: радио маяковский.

Quão mais sozinha eu sou que o locutor dessa rádio?

O que esse cara tá falando? Ele deve ter apresentado a música seguinte: rock russo. E a música deve falar sobre um dia entediante, ou um amor não correspondido, ou uma festa.

Agora é a propaganda de algum produto.

Boa noite, mundo. Tem calma, tudo passará. Solidão não é nada, nada mesmo.




7 - Brincadeira do "telemarketing"

É bem simples: sempre que um operador ou uma operadora de telemarketing me liga, o desafio é adivinhar de onde ele ou ela é pelo sotaque.
A que me ligou agora era de Recife, com toda certeza. Quis elogiar o sotaque lindo dela, mas faltou coragem, visse?

XLII - Eu, mineira

Comer pão-de-queijo lendo Adélia.
Drummond.
Rosa.
Rubem.
Darcy.

Minas: meu café-com-leite.
Minas: nunca fui, mas vivo lá.
Ô, delícia!

XLI - Primeiro Namorado

Meu primeiro namorado se chamava Augusto:
Augusto dos Anjos.
Era amor de viver grudados na escola, só eu e ele
Naqueles nossos 13 anos.

A gente não saía pra festas
A gente não ia comer sanduíche na rodoviária
A gente ficava em casa mesmo:
Nós e outras poesias.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

6 - Vocações

1. Ser dona de um sebo.

2. Viver da venda de crochês, costuras e bordados (feitos por mim).

3. Tocar violão numa banda.

4. Ser poeta.

5. Ser dona de um restaurante.

6. Vender artesanato na praia.

7. Ser professora de literatura brasileira.

8. Ser dona de casa e mãe.

9. Ser moradora de rua.

10. Ser uma médica nômade, percorrendo o interior do Brasil e do mundo.

11. Ser puta.

XL

Sempre quando estou bem
Aparece alguém pra comer meu fígado
Ainda bem que comem - só isso acho natural à boca

Queria poder ser como as madonas
Das pinturas - que se contentem em me ver
Sem exigir que eu me explique diante de cada grupo desconhecido que vem ao museu

Mas eu me vingo!
Enquanto me comem o fígado
Costuro delicadamente: coisas desconhecidas em crochet



quarta-feira, 21 de setembro de 2011

5 - Flutuando

Outro sonho. Na verdade, o sonho de um sonho.
Um abraço tão bom, um lugar não tão perto.
Eu nem lembro direito.

Mais de um ano depois, Recife ainda me atrasa pra faculdade...

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

4 - Carinho

Hoje eu tive o sonho mais gostoso que eu já tive na vida... Eu era mãe.

Estava numa cama e minha mãe trazia a MINHA FILHA para mim, colocava ela nos meus braços. Eu estava morrendo de medo daquele serzinho - o que ele ia fazer comigo? Aí minha mãe abaixava minha blusa, expunha meu peito, para eu dar de mamar à MINHA FILHA. Apenas aproximei ela do meu peito, minha filhinha começou a chupar, com vontade, sua primeira refeição no mundo. Era tão linda, tão linda, tão linda. O amor que eu (já) sinto por ela é inexplicável. Depois que ela terminou de mamar, andei um pouquinho com ela no colo, minhas mãos sentindo a pele macia das costinhas dela... Eu cantava pra ela, ficava perto dela o tempo todo, pensava que tinha que ser a melhor mãe do mundo. Mas tinha uma dorzinha também - a de lembrar que ela cresceria e iria embora. Por que os filhos tem que ir embora? É muita ingratidão ao amor materno, que é infinito. Que tarefa ingrata, essa de ser mãe, que tarefa gostosa, prazerosa...

Eu nunca gostei de brincar de boneca. Mas sempre gostei de crianças, até mesmo quando eu era uma. Eu não podia (e não posso) ver bebês de verdade: eu queria colocar no colo, beijar, abraçar... Mas, por eu ser também quase uma bebê na época, ninguém deixava, o que rendeu algumas fotos com cara emburrada em aniversários...

Acho que meu corpo sabe. Ele quer parir, porque eu estou na idade de parir. Ele se preparou por milhares de anos pra isso...

Sei não, fiquei com essa certeza: de que serei mãe. Seja qual for a circunstância: serei mãe. Acho até que já sou.

sábado, 17 de setembro de 2011

XXXIX

Um mendigo comendo tapioca olha pra mim, sorri:
"Mas é bem branquinha!"
Ganhei o dia: sou da cor de tapioca.

sábado, 10 de setembro de 2011

3 - Só Tem Um 'Caribe' Na Caixa

Chorar de óculos não é legal. Sempre caem gotas nas lentes e o mundo inteiro fica embaçado.
Estou comendo chocolates um atrás do outro. Mãezinha já sabe: quando eu estou vendo o mundo por uma janela embaçada, ela sai - faça chuva ou faça sol - e compra chocolates. A lógica é química: se a serotonina secou, que me banhe a endorfina. Chocolate. Sexo. Intimidade. Beijo. Maconha. Abraço. Carinho. Venlafaxina.

Sinto mais falta da intimidade. Tenho só uma vaga lembrança, mas lembro de pessoas (em épocas) para as quais eu podia ligar sem ter medo de incomodar. Pelo contrário: parecia até que elas gostavam. Intimidade é um negócio estranho: a outra pessoa se sente lisonjeada de receber uma ligação sua tarde da noite, pra falar de um assunto já tão recorrente, já tão falado... Intimidade é meio química também: vicia. Ter em quem confiar vicia. Ter sempre um apoio, em qualquer situação, vicia. Abraços que não constrangem viciam mais que tudo nessa vida. Às doses só é permitido aumentar. Quem se contentaria com amigos de balada quando se pode ter amigos íntimos? Sair pra balada com amigos íntimos é legal. Superficialidade mata, mornice envenena. Eu não quero falar sobre a faculdade.

Lembro de quando eu vivia sem isso. Eu só tenho que me acostumar. Me dói agora, tremo agora, lampejo agora, mas vai passar. Eu só tenho que me controlar, ficar parada, sem ninguém por perto. Eu posso viver sem isso. Eu tenho que viver só. Sozinha, completamente sozinha. Eu não sei lidar com esse tipo de droga. Até minha professora de Patologia percebeu: "você é sensível demais". É pa-to-ló-gi-co.

Se me oferecerem de novo, terei que dizer não. Aliás, eu já disse alguns nãos.

Talvez o segredo das intimidades seja não deixar elas ficarem íntimas demais. Acho que isso se chama overdose. Disso as intimidades morrem.

2 - Epidemiologia E Saúde Do Trabalhador

A disciplina na faculdade trata de saúde do trabalhador.
Me pus a pensar sobre os riscos e danos a que estão sujeitos os poetas.
A começar pelos anos de contribuição: Cecília Meireles diz que escreve desde os nove anos. Aposentadoria aos 34? E o Rimbaud, que só escreveu durante quatro anos? Valeria a pena pedir a contagem desses anos pela previdência?
No entanto, os riscos da profissão são tantos que alguns morrem antes de poder usufruir da aposentadoria... Maiakovski, coitado, se matou com um tiro no peito, aos 37 anos, fazendo poesia até na hora final, rapaz trabalhador.
A Florbela Espanca, bichinha, se matou aos 36 anos, no dia do aniversário.
Em Fernando Pessoa caberia a classificação "acidente de trajeto", uma vez que o apego ao etílico pode ser claramente vinculado ao labor poético.
(E Virginia era poeta sim, nem venham.)

Só poetas estrangeiros até agora, do que tira-se que os brasileiros, ou sofrem a longo prazo, ou são mais resistentes à dor. Os daqui são mais longevos, ao menos os daqui da minha estante. Morrer de tuberculose não conta! (Manuel Bandeira até muito se aproveitou da tuberculose em sua produção). Drummond, Manoel de Barros, Vinícius, Cecília, Adélia... Todos velhinhos. Velhinhos de angústia intratada, intratável (sim, eu mesma comprovo). É um risco assumido em trabalhar com romantismo, profissão antiga, bonita. Não sei se se escolhe. Parece eu, que faço medicina por puro romantismo. Parece que vale a pena. Não sei mais se há algo que valha uma pena. Um poema vale uma pena.

XXXVIII

-Jayane, fala mais alto!
-Não, chegue mais perto.

"Um dia um mestre perguntou aos seus discípulos:

- Por que as pessoas gritam quando estão aborrecidas?

Os homens pensaram por alguns momentos.

- Porque perdemos a calma - disse um deles. - Por isso gritamos.

- Mas, por que gritar quando a outra pessoa está ao teu lado? Não é possível falar-lhe em voz baixa? Por que gritas a uma pessoa quando estás aborrecido?

Os homens deram algumas respostas, mas nenhuma delas satisfez o mestre. Finalmente ele explicou:

- Quando duas pessoas estão aborrecidas, seus corações se afastam muito. Para cobrir esta distância precisam gritar para poder escutar-se.
Quanto mais aborrecidas estejam, mais forte terão que gritar para se escutar um ao outro através desta grande distância.

Em seguida perguntou:

- O que sucede quando duas pessoas se enamoram? Elas não gritam, mas se falam suavemente. Por quê? Porque seus corações estão muito perto. A distância entre elas é pequena. Quando se enamoram, acontece mais alguma coisa? Notem que quase não falam, somente sussurram, e ficam cada vez mais perto do seu amor. Finalmente, não necessitam sequer sussurrar, somente se olham e isto é tudo. Assim é quando duas pessoas que se amam estão próximas.

Portanto, quando discutirem, não deixem que seus corações se afastem, não digam palavras que os distanciem mais. Chegará um dia em que a distância será tanta que não mais encontrarão o caminho de
volta."

(O amor e o grito, Clarice Lispector.)

XXXVII - Oração

Deus: falta bem pouquinho pra eu acreditar em você
Se esforce só um pouquinho mais
Mas não precisa ser um câncer no colo do útero
Amém

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

XXXVI

Eles não entendem que não me controlam mais.
Mas, quer saber, se quiser me abandonar, que abandone!
Se quiser ir embora, que vá!
Se quiser me ameaçar, que ameace!
Se quiser bater, que bata!
Tanto quanto melhor, inclusive.
Eu sou dessas que só aprende na marra.

(Mas que vontade de morrê-los todos. Pronto: morri.)

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

1

Achei um livro incrível e não consigo parar de ler. Amanhã tem GT. Tenho 10 horas pra estudá-lo, sem contar horas de sono. Tenho consciência disso e, mesmo assim, não consigo parar de ler o livro. E quanto mais perto do fim chego, mais tenho necessidade de terminar de ler esse livro. Como pode isso ser tão mais interessante que neoplasias, como? É sete de setembro e leio "Crítica da Razão Tupiniquim". Nada mais apropriado. Ler esse livro me faz sentir no lugar certo, no exato lugar onde eu deveria estar. O GT é um lugar incômodo. A AF vem de um jeito ou de outro e eu devia ter viajado pro Pará. Devia ter ido passar o fim de semana com os tupiniquins, em vez de passá-lo com um livro estadunidense, sobre metástases. De qualquer forma, amanhã tem salgadinhos no GT. E amanhã eu tenho que dar uma nota a mim mesma: zero!

Ao menos pintei as unhas de amarelo... Ao menos pintei as unhas de amarelo...

XXXV

Quando digo que me apaixono
- O dia todo e todo dia -
Falo de paixão onívora
Que vê beleza no cabelo embaraçado da menina no ponto de ônibus
Que vê beleza no cimento fresco onde pisaram
Que vê beleza em tudo que existe
E que se apaixona por tudo que existe

Parece haver uma beleza universal, em todas as coisas
E esse universo de tudo é uma grande paixão
Dá vontade

XXXIV

Minha avó me olha espantada:
fixa os olhos em mim e não diz nada
e nisso fica vários minutos
como se nunca me tivesse visto

Minha tia entra em todo cômodo da casa:
menos no meu quarto
fica só na porta, olhando curiosa
eu vendo sua vontade de revirar todo o mistério dele

Meu pai chegou, não falou nada:
devia ter ido vê-lo marchar
no 7 de setembro
não fui porque sou contra

Mentira: não fui porque não quis
E minha mãe, que foi, não liga pra nada
Entra em todo lugar
Olha o que quer e fala o que quer

terça-feira, 6 de setembro de 2011

XXXIII

Mas eu não presto mesmo pra esse mundo
Vejam que eu me apaixono - o dia inteiro e todo dia

domingo, 4 de setembro de 2011

XXXII

                          
                                   POR QUÊ?

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

XXXI

Sinto, agora, neste momento
Que abracei o suficiente por toda a vida
Que beijei o suficiente por toda a vida
Que vi o suficiente por toda a vida
Que tudo foi suficiente
Simplesmente porque foi
Que a vida não é uma bebida
Que devo beber até a última gota
Que não se vê a bebida
Que não é obrigatório beber
Que se mode morrer:
Aos dezoito
Aos sessenta e sete
Pode-se nem nascer
E, sendo um, ou outro, ou não sendo
Foi bom
Foi e chega que eu já escrevi demais

(Pro vovô Abílio, que há exatos 7 anos me deixou órfã de castelos no fundo dos rios) 

terça-feira, 30 de agosto de 2011

XXX - Simpatia

Eu tenho curiosidade sobre os seus cabelos:
Como podem eles estar sempre secos, mesmo de manhãzinha?
Você nunca os molha? E como eles são sempre cheirosos?

Você deve lavá-los à noite
E eu posso vê-la: tem uma luz que passa por um prisma
E mãos que vem uma depois da outra.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

XXIX

I do not deserve people.
They are million miles away.
Should I go to be with them?
I don't know... I don't know...
They could hurt me, if I do this.

So...

terça-feira, 16 de agosto de 2011

XXVIII

Quis escrever a história do homem que não queria o beijo
Mas não pude - ele não existe
A fome, em nós, só tem tempo de aumentar...


XXVII - Sobre Uma Vez Que Me Ofenderam

Conversando sobre filhos
Eu sempre digo:
"Minha única certeza
Nem é se os terei
Mas que escreverei as histórias
Que para eles lerei"

Pois uma não-sei-quê
Assim me disse:
"Não precisa, mulher!
É só comprar qualquer um, ir lendo
E pular a parte que você não quer!"

Nunca um ser humano conseguiu me ofender tanto
Ofendeu a mim e a toda a minha descendência
Ofendeu a todas as crianças do mundo
Ofendeu os seus - coitados - filhos

Desde então, eu a odeio eternamente
Porque ela me ofendeu eternamente

XXVI - Conversa Da Poeta Com Sua Amiga

Conversa da poeta com sua única amiga
Do sexo feminino
Sobre os últimos acontecimentos
Da feira:

"Por que você não casa com ele?" - entre risos.

"E você acha que eu não pensei nisso?
E não foi só do que eu me lembrei?
Mas ele não disse que me ama
Apenas que sou fofa
E isso pode ser até
Sinônimo de gorda!" - muito, muito séria.

XXV - Doença Mental

Voltava da feira com a minha mãe
Cheia de sacolas com verduras
Nós duas

O doente mental na esquina
Para e me diz:
"Você é fofa!"

Nunca ninguém me disse que sou fofa
Só o doente mental
Da esquina do mercado
Sem pai, nem mãe
Nem verdura

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

XXIV - Conversa Entre Duas Muriçocas

Conversa entre duas muriçocas
Que viram - sim, viram!
Uma mulher - sim, mulher!
Se levantar da cama
Às duas da manhã
Para escrever um poema
Bem bestinha, de amor:

"Levantando a esta hora
Com vontade de casar
É provável que não tenha
Sequer começado a sonhar"

"Ora, como não?
Não lhe notou o conteúdo?
Veja que na escrita dela
Só há os dois: não há mundo!"

"Mas é na escrita dele
Pois é o menino quem faz
O poema não ser só
Medo e falta de paz"

"Voto por ser dos dois
Mas veja, que triste fato!
Apenas o sangue dela
Aqui, a nos servir pasto"

XXIII

E se tudo der errado?

E se eu ficar sozinha
Sem carinho, sem amor?
"Aí moraremos juntos
Dois fugidos da dor"

E se eu virar mendiga
Sem casa, sem comida?
"Aí mendigaremos juntos
Lá, naquela avenida"

E se eu envelhecer sem ninguém
Desamparada, sem filhos?
"Aí iremos juntos
Para o mesmo asilo"

E se eu ficar doente
De doença mortal?
"Aí morreremos juntos
Na mesma cama
No mesmo hospital"

E se tudo der certo?
"Se tudo der certo
Eu caso contigo"

XXII

Teve um tempo que eu ia à praia só
E gostava de olhar o mar

Teve um dia que eu fui à praia acompanhada
E o mar secou pra mim

Não sei mais andar sozinha por lá
Afundo naquela areia toda
E digo a qualquer um que é medo de ser furtada

domingo, 14 de agosto de 2011

XX

Pro homem, sempre tem uma salvação
Homens não envelhecem
Só as mulheres envelhecem
Só nós ficamos feias
Só nós ficamos gordas e enrugadas
Só nós ficamos intragáveis
Todo mundo sabe disso
Que não tem salvação pra gente

sábado, 13 de agosto de 2011

XIX

O melhor uso das leis jurídicas
É que meu tio, advogado
Me deu o livro do Drummond.

Esse foi o momento máximo do direito ocidental romano.


XVIII

Eu sou só caminho:
Não me começo
Nem me termino.

XVII

Morrer é perder toda a brincadeira que vem depois
De uma vida que só seria brinquedo se fôssemos mortos em vida, nada a perder
Sejamos todos meio mortos
- Tenhamos um pé na cova! -
O mim não é tão importante assim

(Pobre mortinho, que não soube do terremoto no Japão...)

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

XVI

Eu estou bem
Mas sinto que não devia estar bem
Espera, como posso estar bem?
Nenhum projeto na faculdade
O capítulo não foi lido
O beijo não foi dado
E eu nem lembro se os beijos que eu dei
Foram beijos mesmo
Se foram dados
Se foram...

Eu esqueci da vida que eu não vivi
Não, eu não vivi
Eu não desenhei o meu sonho
Que ficou perdido na lista de sonhos
Que eu tinha pra desenhar
Que ficaram na gaveta do meu criado-emudecedor
Que não tem chave
Que qualquer um pode abrir
Que só faz rir

Onde estará o meu amor?

Será que estava naquele pé de romã
Que arrancaram
E pelo qual chorei?

Terei eu amado
Alguma vez?
Alguma coisa?

Eu não amo
Eu não amei
E sou mulher:
Só agora me lembro disto!
E dói. Não o sexo
Mas a lembrança, a não fazer sentido
Digo que sou mulher
Lembro que sou mulher
E a isso não corresponde aquela coceguinha atrás dos olhos, alastrando pra nuca
Que significa que entendemos
E que temos prazer no entender

Eu não amei
Não é real pra mim ser mulher
E isso significa que eu não posso me matar
Que estou presa no corpo que eu não realizo
E que eu não posso estar bem
Mas eu estou bem

E nisso está toda a covardia.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

XV - Eu Não Gosto De Mim

"Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu teto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou."
(Álvaro de Campos)


Eu não gosto das brincadeiras das crianças
Eu gosto da minha brincadeira de criança
Eu não gosto das crianças
Eu gosto da minha criança
Que é sempre melhor que todas elas

Eu gosto de mim quando eu não esperava o dia inteiro
Eu gosto de mim quando eu riscava os tampos das mesas pra deixar inscrições para o futuro
Eu gosto de mim quando eu nada

Eu gosto de mim quando eu não tinha que amar alguém

sábado, 6 de agosto de 2011

XIV

Você faz as coisas pras pessoas verem...
Cada choro seu é a espera do príncipe encantado
Que secará suas lágrimas
E te levará para um reino distante

Não quer sair de casa?
Você quer andar o mundo inteiro
Você quer dar pro mundo inteiro
Quer comer todos eles
Mas você morre de medo

Você quer as pessoas
É só isso que você faz
Morre de querê-las
E morre mesmo:
Morre por cada uma delas

--------------------------

Parem de ligar pra mim
Parem de me abraçar
Parem de me chamar
Como vou poder dizer que vocês me abandonaram?
Como vou ser triste assim?
Como vou poder chorar?

Vocês não são suficientes!
Eu não sou suficiente!

E mesmo isso que agora escrevo
É pra ser visto por alguém
Sempre alguém
Que nunca vem!

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

XIII - Poema De Muito Amor

Isso! Continue almoçando salgado com refrigerante
Eu quero te ver gordo, diabético e infartado, o quanto antes
(Só comia direito quando eu obrigava...)

Mas que mulher é essa
Que não vê que você tá pálido?
Que não vê que você só come besteira?
Que não vê que você não dorme direito?

Coração ocupado, enquanto ela trabalha
Trabalha silenciosamente
E eu, silenciosa também,
Minha prece de amor-maior-do-mundo:

Aproveita bem enquanto pode
Porque um dia essa artéria entope
Um dia seu coração arrebenta!

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

XII

Eu estou tão bonita, e não tem quem veja.
Meus cabelos estão lindos...
Encaracolado livre, porque eu só desembaracei e deixei ele em paz pra se embaraçar de novo.
Tomei banho e fiquei de bobeira, com preguiça de vestir roupa
Na cama com o Drummond... um volumoso Drummond.

É um crime contra a natureza, que ninguém me veja.

Talvez, se alguém me visse assim, eu ficasse feia.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

XI

Como é que eu escrevo uma gargalhada?
Acho que esse é o meu limite literário... 
Mas eu tô rindo. 

terça-feira, 2 de agosto de 2011

X

Será que existe vida para além da timidez de um Drummond
Ou da solidão de um Bernando Soares?
Será que, passadas as portas do absurdo, existe uma vida, que se possa viver
Entre acordar e dormir?

Sim, é o que mais vejo...

Mas o meu mal-estar é o que me agrada.
Tenho essa vocação inata

(Jayane, 03/08/11)

IX

Eu já sei a minha causa mortis: arrependimento.

(Jayane, 02/08/11)

VIII

Mas que pretensão essa da classe média - ser feliz!
Ora, que miséria!
A classe média que sabe de todas as síndromes que sofre:
São milhões de Aspergers, maníaco-depressivos
TDAH, TOC...

A classe média que sabe de todas as filosofias
A classe média que sabe de todas as religiões
A classe média que sabe de todas as psicologias

Meu Deus, a classe média que lê Fernando Pessoa, meu Deus!

Ser feliz... Chega a ser zombeteiro!

(Jayane, 02/08/11)

VII - A Distribuição Das Coisas

Você passará em medicina
E você será bonito
Você aí terá um carrão
E aquele ali, um cigarro.

Você terá o que comer hoje
E esse outro, será empregado do ano
Vosmicê terá uma namorada
E seu vizinho ficará sozinho.

Trabalho feito - posso dormir.

(Jayane, 02/08/11)

VI

Não é só isso! Nunca foi só isso!
Não foi só isso que morreu.
Foi uma eu inteira que morreu
E este é o seu velório...

Não queremos companhia.
Nós, poetas, não queremos companhia.

(Jayane, 02/08/11)

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

V

Tinha um Francisco que vivia me dizendo das crenças que ele tinha.
E eu tinha nojo, meu Deus, como eu tinha nojo!

As pessoas iriam espalhar amor pelo mundo
E as guerras iriam acabar
E a educação seria boa
E a comida, para todos
E a saúde... o mundo seria saúde.

Eu tenho nojo de você, Francisco
De sua namorada
E do casal que vocês formam
Tenho nojo da sua fé em Deus
E da sua alegria
E da sua empolgação.

Eu tenho medo, Francisco
É de que seja só isso:
Saúde Educação Comida
O que eu quero você nunca diz

(Jayane, 01/08/11)

IV

Deve haver uma lei da inércia para o que sentimos.
Como que uma certeza de que as coisas ficarão
No momento em que estão
E uma continuação - de fato
Depois que elas se vão.
_________________________________

Se me perguntarem o porque do olhar triste
Direi que sofro de inércia sentimental
Ou que sou inerte
Tanto faz.

(Jayane, 01/08/11)

III - Conversinha De Gente

Conversinha de gente:
Sobre a hora
Sobre o minuto
Sobre a aula
Sobre o barulho

"Já são 10 horas?"
"Você viu o acidente?"
"As notas estão na secretaria"

E é isso a vida da gente:
Conversinha de gente.

(Jayane, 01/08/11)

II

Chegou a hora de fechar a janela
A ordem é cerrar cortinas
Bater as portas
Guardar os livros
Todos os gritos
Todos os choros
Todos os mitos

Não cheque os e-mails
Não procure os correios
Não vá a festas
Não tente ser diferente
Não acredite que é poeta

Porque nada é
Nada vem
Nada há
E não tem porque ser

(Mas eu não me acostumo
Eu nunca me acostumo
E todo dia dou uma olhadinha
Pela fresta da minha janela:
........................................)

(Jayane, 01/08/11)

domingo, 31 de julho de 2011

I

Será que namoraríamos em silêncio?
Apenas olhos e corpos e o corpo todo olhos?
Falar me parece tão sujo, sempre.
Agora mesmo, te namoro com uns olhos bem pretos
E minhas palavras - estas palavras -
São só desenhos que querem ser vistos
Por esses olhos pretos.
Eu quero ser vista como um desenho bonito
E como ele é: um espaço e um pouco de luz.

(Jayane, 27/07/11)